Instituto Superior Técnico, 1968, 4 de Dezembro:
A Ocupação do Pavilhão Central
O ano de 1968 foi um ano fundamental para o processo de liquidação da ditadura fascista em Portugal, que desgovernava o País desde 1926. Nesse ano em Setembro, Salazar caiu da cadeira, e agilizou-se o processo que levaria à queda do regime em 25 de Abril de 1974.
Uma das forças anti-fascistas mais aguerridas era o movimento associativo estudantil. O Fascismo nunca conseguiu dominar as associações de estudantes que existiam uma por faculdade, ou não existiam de todo, substituídas por movimentos pró-associação como era o caso de Medicina. Mesmo as Faculdades que tinham associações de estudantes, tinham a pender sobre elas a espada de Dâmocles da suspensão das direcções legitimamente eleitas, e ilegalização das suas respectivas actividades.
Em 1968 o ambiente universitário estava bastante inflamado. Tendo por fundo uma Guerra Colonial que se eternizava, o movimento estudantil lutava também por melhores condições de vida no interior das Faculdades e Academias. No Instituto Superior Técnico uma reivindicação em volta da Cantina, que os estudantes queriam mais subsidiada, e as autoridades académicas queriam subtrair à gestão estudantil, despoletou os acontecimentos de 4 de Dezembro. Numa Reunião Geral de Alunos decidiu-se que nesse dia, uma Quarta-Feira, se faria um almoço de luta no Pavilhão Central.
Alvoreceu o dia 4 de Dezembro, e às 10 horas da manhã o Director do Técnico, na altura o Professor Catedrático de Química Luis de Almeida Alves, encerrou o Pavilhão Central, deixando sair os estudantes, e só deixando entrar os que tinham cacifos alugados no interior, onde colocavam material próprio. Deu-se então um fenómeno inesperado: de motu proprio os estudantes não saíram e ficaram lá dentro a aguardar os acontecimentos. A Direcção da AEIST em conjunto com os colaboradores disponíveis decidiu constituir uma comissão de campo no interior e outra no exterior. Todos os colaboradores associativos que tinham cacifos foram despachados para o interior do Pavilhão Central.
Entretanto os que não podiam entrar começaram a organizar o pessoal cá fora. Às 11.15 horas estavam constituídas duas comissões de campo, uma no interior e outra no exterior do Pavilhão Central, com funções de organização e de serviço de ordem. O contacto do interior com o exterior fazia-se clandestinamente e com todos os cuidados através da porta de acesso ao Bar, e despudoradamente através da janela da Sala de Alunas, uma sala singular, pois só podia ser visitada pelas alunas, entretanto ocupada pelas mulheres da Juventude Universitária Católica, para ajudar a ocupação global do Pavilhão Central. A Direcção da AEIST continuou os seus bons ofícios para demover o Director da sua posição, mas os seus esforços foram baldados. A indignação dos estudantes começou a subir de tom.
Às 12.00 horas a comissão de campo do interior recebe a indicação de que o pessoal no exterior vai tomar de assalto o Pavilhão Central. Os estudantes no interior dirigem-se para as portas, e estas têm uns batentes em vidro que foram abertos, permitindo que os estudantes do exterior passassem através das portas. Outra brigada de assalto entrou pela janela da Sala das Alunas. Com estes dois actos, o pessoal do interior e do exterior reuniu-se no interior do Pavilhão Central. Luis de Almeida Alves não queria acreditar no que via: os alunos a entrarem no Pavilhão central através das portas fechadas. Mas num ataque de bom senso, decidiu abrir as portas possibilitando que o almoço se realizasse. Entretanto começou a circular um abaixo assinado para acabar com a Sala das Alunas, que entretanto passou a ser visitada também por homens.
Após o almoço, às 14.00 horas começou uma Reunião Geral de Alunos em que esteve presente Luis de Almeida Alves. Foi-lhe democraticamente concedida a palavra, e ele então faz a histórica declaração de que se sentia uma bola de bilhar entre o Governo (Ministério de Educação Nacional) e os estudantes…
Os acontecimentos de 4 de Dezembro no Instituto Superior Técnico permitiram que um grupo de jovens colaboradores associativos tivesse a sua primeira experiência de direcção de luta. Essa experiência para muitos deles foi tão forte que ainda hoje estão activos, na defesa das mais desvairadas posições politicas. Mas naquele momento o que contava era prosseguir a luta.
Luis de Almeida Alves convocou o Conselho Escolar formado pelos Catedráticos da Escola, e ter-lhes-ia dito que um bando de agitadores maoistas se preparava para destruir o Instituto Superior Técnico, e pediu-lhes carta branca para poder chamar as forças repressivas. Às 0.00 horas do dia 8 de Dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição, a polícia de choque e a PIDE ocuparam a AEIST, prenderam todos os colaboradores associativos que se encontravam no seu interior, tendo-os libertado de madrugada, e aprenderam todo o material de propaganda que estava a ser preparado para acções futuras. No dia seguinte a Direcção da AEIST foi suspensa de funções e com um processo disciplinar visando a sua expulsão, a gestão da Associação entregue a Luis de Almeida Alves, porque nenhum estudante do Técnico se prestava a fazer parte duma Comissão Administrativa, e as aulas suspensas até Janeiro. Entretanto os estudantes de Lisboa em Plenário, o órgão máximo de decisão estudantil, decretaram a Greve Geral.
No regresso em Janeiro os estudantes organizaram-se em comissões para-associativas, e assistiram ao degradante espectáculo de ver o Director da Escola a passar como um furacão pelo corredor principal da AEIST a arrancar propaganda associativa, várias vezes ao dia, que após a sua passagem era imediatamente reposta. Mas a luta continuou e no verão seguinte conseguiu-se a reposição da legalidade, e uma Direcção Associativa foi eleita.
O 4 de Dezembro mostrou que valia a pena lutar, e que só lutando se pode vencer. Pertence sem duvida ao património de luta contra a opressão e por isso mesmo aqui o recordamos 40 anos volvidos. Para nós isto é identitário.
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