Manoel de Oliveira:
A imortalidade centenária também fala Português
Cada qual na sua vida tem o seu papel. Este mundo é um teatro e nós somos os intérpretes. Recitamos um manuscrito de uma peça que começamos a conhecer à medida que a vivemos. Não conhecemos o futuro, porque o autor ainda não o revelou! Visita nasce de uma circunstância do acaso. Percebi que devia conservar essa recordação e passá-la ao cinema... Há também outras razões muito mais profundas. Mas do subconsciente não se pode falar! Este é o pensamento do homem que hoje completa 100 anos, e que contribuiu para que a Imortalidade também falasse Português, o Mestre Imortal Manoel de Oliveira.
O meu encontro com a obra de Manoel de Oliveira deu-se quando era jovem. Em 1964, quando tinha 15 anos, a Casa da Imprensa resolveu apresentar no São Luis, Aniki-Bóbó em conjunto com o recém estreado Acto da Primavera. O meu pai tinha uma paixão por Aniki-Bóbó, e consegui sacar-lhe a entrada para os filmes, 8$00. Foi um deslumbramento, e a partir dessa altura fiquei para sempre ligado a Manoel de Oliveira.
A minha actividade cineclubista no extinto Cine-Clube Universitário de Lisboa permitiu-me ter uma visão global do cinema que se fez até 1972. Depois quando fui para Inglaterra fazer o Doutoramento tive ocasião de em três anos ver mais de 1000 filmes de vários realizadores e procedências. Nos anos subsequentes vi também muita coisa, o que me levou a compreender a singularidade da obra de Manoel de Oliveira, e a definir o conceito de cineasta imortal, aquele cuja criatividade moveu as fronteiras do Cinema, e o ajudaram e continuam a ajudar a estabelecer-se e amanter-se como a 7ª Arte. O primeiro cineasta imortal foi com certeza D.W. Griffith, que formatou o que deveria ser um filme; Outro foi Serguei Eisenstein, o cineasta da Revolução de Outubro, e um dos teóricos mais importantes do Cinema.
Ao nascer em 1908, a vida de Manoel de Oliveira acompanhou o desenvolvimento do cinema e permitiu-lhe desenvolver novos e arrojados conceitos para a 7ª Arte. Manoel de Oliveira definiu para si o que deveria ser o cinema, procurou pôr as suas ideias em prática e fê-lo em paralelo com o restante cinema, pois a sua obra é de uma singularidade obvia, e abriu caminhos que ainda estamos longe de saber aonde nos conduzem.
Como tudo o que pretende ser novo neste País, Manoel de Oliveira só muito tarde pôde criar tudo o que ele achava deveria ser o Cinema. No entanto a sua produção anterior ao 25 de Abril mostrava já claramente o seu carácter de liderança do processo artístico cinematográfico em Portugal, e como tal reconhecido pelos seus colegas de profissão: ele era sem sombra de dúvida o maior de todos. Aniki-Bóbó é um espantoso exemplo daquilo que poderia ter sido a Escola Portuguesa de cinema, sem a sua subordinação ao Fascismo, patente em Leitão de Barros, António Lopes Ribeiro, Ribeirinho, entre outros, pois Manoel de Oliveira sempre foi e é um democrata autêntico.
A obra de Manoel de Oliveira pela sua criatividade faz dele um dos maiores cineastas da História do Cinema, uma singularidade viva, um dos poucos mestres imortais evidentes. Douro, Faina Fluvial; Aniki-Bóbó; Acto da Primavera; a tetralogia dos amores frustrados {O Passado e o Presente; Amor de Perdição; Francisca; Vale Abraão}; o Meu Caso; O Convento; o Quinto Império: Ontem como Hoje; Cristóvão Colombo – O Enigma; entre muitos outros filmes igualmente importantes, consagraram-no definitivamente e inscreveram o seu nome a letras de ouro na memória do Cinema, com o reconhecimento tácito do seu carácter único. É o único cineasta vivo que começou a fazer filmes no cinema mudo. Tem várias distinções internacionais.
Portugal é um país pequeno demais para o génio de Oliveira, disse uma vez João César Monteiro. Portugal não seria o mesmo sem Manoel de Oliveira. Todos gostam de o ver na Canção de Lisboa, o amigo do Vasquinho, e que o ajuda sempre. Mas como ele ainda está vivo ainda é tempo de descobrirmos formas de lhe mostrarmos muitas vezes como de facto o amamos, e como ele é importante para nós, como o fez a Universidade do Algarve ao atribuir-lhe o Grau de Doutor Honoris Causa em 2008, ou a Presidência da Republica a Ordem de Santiago da Espada.
Longa vida, Mestre Imortal!
E que os teus filmes continuem a jorrar para nosso comprazimento!
Sem comentários:
Enviar um comentário