Cartas Escocesas (XI)

Atribuição dos Óscares 2009:
O Estranho Caso de Benjamin Button

Na noite de 22 de Fevereiro, no Teatro Kodak em Hollyhood, Los Angeles, Califórnia, USA, procedeu-se à atribuição dos Óscares da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.

A cerimónia decorreu da forma habitual. Houve o corrupio habitual do tout-Los Angeles para estar presente numa das mais mediáticas operações de promoção da industria cinematográfica, e que hoje com os meios de comunicação social é levada aos vários cantos do Mundo. Toda a gente quer saber quem são os eleitos, muito naturalmente os próprios, pois a atribuição dum Óscar pode significar não só um aumento do número de convites para contractos, mas também aumentar o valor financeiro destes.

A atribuição dos Óscares costuma reflectir os tempos em que são atribuídos. Desta vez como estávamos em ano de tomada de posse de Barack Obama, e o pessoal de Hollyhood tem uma especial predilecção pelo lado do coração, foi tudo muito orientado para que o vencedor fosse Slumdog Millionaire, que vá lá saber-se porquê em Portugal recebeu o titulo de Quem Quer ser Bilionário. Esta vitória e a construção do respectivo filme, tem levantado alguma polémica, pois não é claro que se esteja num caso agudo de exploração ignóbil do trabalho infantil, pois os principais actores são crianças.

Mas o caso que nos parece mais polémico e que não pode passar em claro, foi a nomeação do filme O curioso caso de Benjamin Button para 13 Óscares, mas entre eles não se encontrava a de Melhor Actriz. Este filme que apesar do seu número de nomeações não conseguiu mais de três (3) Óscares em categorias secundárias foi o grande derrotado da noite.

Mas este facto da sua não nomeação para o Óscar da Melhor Actriz, constituiu um escândalo que não pode passar em claro. A não-nomeada foi Cate Blanchett actriz australiana que tem um papel deslumbrante e inultrapassável no referido filme. Aliás pelas suas interpretações e demonstração de recursos interpretativos quase infinitos, Cate Blanchett é na nossa opinião a maior actriz do Mundo em exercício, porque a maior actriz viva é Joanne Woodward, viúva de Paul Newman.

A nomeação de Cate Blanchett pela sua inultrapassável representação, teria consequências sobre o resultado final. Embora não tenhamos visto o filme The Reader, temos sérias dúvidas que Kate Winslett tivesse uma prestação sequer comparável à de Cate Blanchett, quanto mais ultrapassável. Daqui nos parecer que esta não-nomeação traz água no bico: destinou-se a não levantar controvérsias ainda mais graves, como o caso de Audrey Hepburn (My Fair Lady) versus Julie Andrews (Mary Poppins) nos idos de 1964. Neste caso a primeira nem sequer foi nomeada para o Óscar que a segunda ganhou, embora a qualidade de representação de Audrey Hepburn ser muito superior à de Julie Andrews. Os grandes interesses da indústria queriam que Julie Andrews ganhasse de qualquer maneira. Ora hoje a promoção de Kate Winslet foi feita com grande aparato, tendo ganho antes dois prémios por esta interpretação. É obvio que aqui há algo que não bate certo.

Neste caso a comunicação social assobiou para o lado. Slumdog Millionaire permitiu que tudo passasse em claro. Mas fazemos votos que actos destes não se repitam no futuro, porque a credibilidade da Academia fica em causa com tão disparatadas atitudes, e a dignidade profissional dos actores exige rigor e não atitudes de privilégio.

Acontecimentos Políticos Hilariantes (IV)

Um Carnaval extremamente hilariante…

Hoje é Quarta-Feira de Cinzas, e os portugueses e portuguesas preparam-se para a penitência dos seus pecados, até à Páscoa. Para trás ficou um dos mais hilariantes Carnavais de todos os tempos, só comparável em dimensão à crise em que estamos mergulhados.

Tudo começou quando o Ministério Público resolveu impedir o Carnaval de Torres Vedras de mostrar o inefável Magalhães, o tal computador que se pretende à viva força que seja português, com umas imagens heterodoxas. Aí o pessoal desatou a rir à gargalhada, pois num país que se pretende na vanguarda da Europa praticou-se um acto digno da Idade Média.

Ainda os portugueses estavam agarrados à barriga a rirem-se sem parar, eis que chega a notícia de que a inefável Margarida, Directora Regional da Educação do Norte tinha imposto à Escola de Paredes de Coura a obrigação de terem de fazer o cortejo carnavalesco contra a opinião do Conselho Pedagógico. Aí os portugueses que estavam em vias de perderem motivos hilariantes, pois o Ministério Público recuara no caso Magalhães, voltaram a agarrar-se à barriga, contorcendo-se sem parar perante mais uma manifestação de prepotência do Ministério. E mais se riram quando a dita senhora, campeã dos actos da Ministra, perante a justa indignação dos professores, que desfilaram de luto, veio declarar que nada lhes tinha imposto, só que o cortejo tinha que se fazer.

O pobre do Zé-Povinho a recuperar, foi mais uma vez desinquietado para se atirar para o chão a rir, quando se soube que um Comissário da Policia em Braga resolveu apreender uma série de livros, concretamente a obra Pornocracia, de Catherine Breillat porque continha a obra prima de Gustave Coubert A criação do Mundo na Capa, na Feira do Livro. A explicação era a de que a dita obra poderia levar ao desvio de menores. Aí o pobre do Zé-Povinho já pedia que o poupassem a tanto dislate porque a barriga já lhe doía com um tão grande fartote de rir, e que só aumentou quando os livros foram entregues à procedência.

Mas o pobre do Zé-Povinho ainda não estava protegido de mais asneirada hilariante. E foi assim que foi confrontado com a sentença que condenou o corruptor do caso BragaParques ao pagamento de 5000 euros, chamando-lhe corrupção activa para acto lícito. Baseou-se o augusto tribunal para pena tão curta no facto de que o criminoso ter subido na vida a pulso, para estar em condições de naturalmente poder afirmar como ele próprio o fez: Nisto não sou virgem (...) Conforme faço uma escriturazinha rapo dois mil euros aqui, 10 mil acolá. (...) Ponho isto num cofre para a gente ir fazendo umas ratices.

O Zé-Povinho pode rir sem fim, mas só pode ter uma enorme dor de barriga em consequência, pois todos estes factos mostram o estado de degradação a que chegou o Estado da Nação. Baseando-se em pressupostos autoritários, as estruturas que deviam aplicar as leis que existem para situações semelhantes, praticam actos à sua margem, e depois seraficamente pretendem dizer que foi tudo um engano. No fim de contas um país em que se acaba de saber que 72 000 (!!!) empresas não têm trabalhadores, e ninguém acha tal facto esquisito, nem digno de inquérito público, alguma coisa vai mal, muito mal.

A burguesia clientelar portuguesa, submissa ao Imperialismo tal como no tempo do Fascismo, não se coíbe de praticar os actos mais levianos na defesa dos seus interesses. Cabe aos trabalhadores não acharem graça nenhuma a tais actos, e imporem as soluções que se exigem.

Intervenções Incisivas (II)

Discurso no Simpósio Trabalho Científico e a Condição de Investigador,  da Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos na Universidade de Paris-Leste de Marne‑la-Vallée, 12 de Fevereiro 2009

Dear Colleagues:

The financially driven free market economy, after strong signs of distress, crashed last September 2008. It was a blend of Capitalism where speculative investment dominated over productive one, embodied in the neo-liberal ideology, submitting everything to market values.

Capitalism, which started in the early XIX century with the Industrial Revolution, began to change with the end of World War II. It was recognized the importance of Science and Technology for the Victory, and therefore for the development of Capitalism. Its turning point is the publication of Shannon’s ideas in 1948 on theory of information, contemporary of the starting of large scale computation, and the development of Electronics, Informatics, Telecommunications, Telematics, and mass robotization. They justified the indirect control of production, hyper production growth and the accumulation of capital and knowledge. Problems started to be solved indirectly through computation: the virtual society was born.

The conditions for the Knowledge Market Society were created. Research and development required large amounts of money. The development of multinational corporations particularly at financial level was the driving force. The election in 1979 of Margaret Thatcher as the British Prime Minister, and in 1980 of Ronald Reagan as President of the United States signals the beginning of the new neo-liberal order, the financial capital domination over 28 years.

Everything was geared towards creating the mechanisms which allowed capital growth, using the artificial creation of profit, based on the speculative circulation of capital, through the fast growing casino economy supported by stock exchange activities; and the impoverishment of workers, reducing their income, and forcing them to borrow money at high interest rates for their urgent needs. The new order tried to proclaim that everything which was good to private interest was good for public service as well, and this submitted public service to private interest. Everything started to have an exchange value even those elements which must not have it: art, health, education and scientific and technological progress.

Capital accumulation supported itself also on a productive process based on intelligence, capacity of knowing how to do things, mobility of means of production and workers, process of dematerialization of economy. Innovation, which generates obsolescence, and has ecological consequences, was a key concept, and as a consequence technologies changed at faster and faster speed, and the life cycle of virtual enterprises and the information commerce was very short. It followed that the workers’ stability of employment volatilised.

To maximize the creation of capital, the workers rights were attacked and highly reduced, and they were forced to surrender their right to have a stable work position, a personal and a family life and to be at the disposition of their bosses to work when they thought it better. To have a steady work position, the bosses required the high qualified workers to be ready to accept the neo-liberal ideology, which promotes a cruel individualism and destroys worker’s solidarity.

These are also the problems of scientific workers, but in a specific form. The process of production of Scientific Knowledge had a wrong evolution during the XX Century, worsening always, and this has to be stopped. Renewed innovation implied an explosive growth of the numbers of scientific workers. They evolved then from being considered a privileged group into an accelerated unprivileged one, because the artisanal phase of scientific production of the XIX Century and principle of the XX Century, driven by individualities, was followed by the industrial phase with teams which want to became bigger every time, and with objectives and submission to a hierarchy with activity control. They are under stress to produce continuously, overlooking the time required to produce new ideas, and to fulfil their duties as citizens.

The scientific activities started to be understood not as a cultural activity but as a market activity generator, and the scientific workers were forced to be highly involved in this strategy. Research institutions themselves were only declared viable, provided they follow the “diktat” of the financing political power: the Project Culture, spoken this morning by Denis Jonan. They receive their required money provided they submit their projects to state bodies above them, and only after these projects are approved. This is the opposed of the concept of institutional autonomy, and therefore University scientific autonomy disappeared a long time ago. Scientific workers were forced to find their own funding for their activities, and their employers, particularly if the workers have permanent positions, question them for their diligence in finding such investments. The employment precariousness is a corning stone, either through temporary contracts, or grants which survive too long, instead of permanent positions. Scientific workers are also forced to a great extent of mobility, the new precariousness. The assessment of the workers’ activities, vital to get permanent positions or further promotion, was based not on a deep analysis of their work, but on the number of papers published, combined with the number of citations they get, criteria open to manipulation.

All this happen because the political power became completely at the service of big capital interests. The crash happened because political power surrendered the power of regulation and without it market forces worked blindly. At the financial markets the investment rhythm escalated more and more, without material support and their limits were shattered.

It is necessary to bury this distorted political, economical, financial, social and cultural order. As a first step, it is necessary to ensure that political power dominates -financial power to promote sound productive investment and is subject to continuous democratic scrutiny.

At the same time scientific workers, more than ever, must state strongly their quality as intellectual workers, with the right to question the conduction of their activity, and using the trade union activity to present their demands to society as workers. They must demand immediately: the growth of quality scientific work, free from any limitations, with the best conditions for its performance, and adequate financing for each scientific worker, and each institution, re-establishing the autonomy of the public institutions to be free to follow the idea that if a problem exists, whatever its nature, and if its solution contributes to the knowledge grow, it must be studied. It is also required the recognition of the social status of the scientific worker, and its consequences in terms of labour rights and duties, the maximum of rights for carrying out the maximum of duties, the right to work stability, after a balanced and fair assessment and with criteria clearly established and agreed by all, and a salary adequate to the social position and expectations. This must be embodied in a labour statute chart awarded to all the scientific workers, containing: conditions to become a scientific worker; functional content of each scientific worker’s activity, the profession as a whole and each category; clear rules to attain permanent positions, performance evaluation and progression in the careers; preventing practices which destroy it. These rules must reduce to minimum levels the precariousness of the scientific profession.

But this is not enough. Knowledge Market Society, where the present day crash happened, is the one where we try to coordinate the scientific knowledge rationality with the irrationality of the Capitalist system. Instead of this we have to construct the Wisdom Society, supported in collectively making the better use of the acquired knowledge, with superior prudence and good sense, affirming the masses’ collective soul, integrating the citizens’ creative diversity, proscribing people’s mass exploitation, and run by collective action of workers. Economic activities must be submitted to the coordination of the rationality of scientific knowledge with its benefits for citizenship. Only Wisdom Society allows solving present day energetic and environmental problems, as the distortion of North-South development, the fraternal implementation of research in developing countries, and suppresses brain drain.

But a society dependent on the development of knowledge requires a new political organization, where the scientist and technicians are called to play an important role, in defining the future of society. Today and tomorrow the political decision making process requires the permanent assistance of a sound scientific basis to be able to take the right decisions. Quite often the political decision making process does not have any scientific and/or technical soundness.

A forth power, the Wisdom Power, is required along the three other democratic ones, to ensure that political decision making process fits the requirements of Science and Technology. This has to be done using all knowledge based institutions which must be independent of private interests, autonomous from all other forms of state organization, and submitted to public service and accountability. All decisions with technical content, e.g. environmental issues, must go through this forth power, and can only be implemented if it does not oppose them clearly. The dialog between all these powers is a strong requirement for the future salvation of Humanity.

Knowledge Market Society based on capitalist neo-liberal values, has very little wisdom, as there is a fundamental contradiction between the social character of production, the private appropriation of their products and gains, and the historical demand to correspond the impetuous development of productive forces new productive relations. It is the mission of scientific workers to struggle to construct the Wisdom Society, able to free all the emancipating power of all the extraordinary acquisitions of the human work and thinking, put them at the service of Humanity, and to push away for ever the spectra of misery, war and the Humanity self destruction. A new dignity as citizens-producers will emerge to help the assertion of a new rationality. The end of the disposable scientific worker will be the clear sign the Knowledge Market Society ended for ever, and the construction of the Wisdom Society is under its way.

Cartas Escocesas (X)

A Doença e a Acção Política

No passado dia 4 de Fevereiro, pelas 13:00 horas, encontrando-me sozinho no meu gabinete da Universidade de Glasgow desmaiei. Ainda estou para saber como ao cair ao chão não parti a cabeça. De qualquer forma abri um lenho no sobrolho, e depois de ter sido levado para o hospital aplicaram-me 4 pontos. A Universidade de Glasgow tem um serviço de saúde próprio obrigatório por lei, que me veio prestar assistência e que chamou a ambulância do SNS escocês e que verificou que o desmaio tinha sido provocado por um súbito abaixamento de tensão. Esta realidade deixou os médicos perturbados, por eu ser hipertenso, e não hipotenso, e obrigaram-me a ficar até terça-feira seguinte, procedendo a vários exames, que incluíram um TAC completo à cabeça e tronco, tendo concluído que felizmente não tinha problemas. Fui tratado de forma excelente, nos dois primeiros dias tive de ficar na posição horizontal, e só depois de terem a certeza que a tensão estava normal, me deixaram ficar na posição normal. E a beleza maior é que todo este trabalho NÃO me obrigou ao pagamento de taxas moderadoras, porque aqui se o serviço é nacional, é grátis. O Governo Sócrates ainda tem muito que aprender…

O problema maior era eu ter-me comprometido com a Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos em estar presente e fazer uma comunicação no Simpósio que começava em Paris, Universidade de Marne-la-Valée (na foto), a 11 de Fevereiro, e para o qual já tinha comprado bilhete de avião. Foi uma correria, mas consegui honrar o compromisso. O debate de dois dias e meio que precedeu a Assembleia-Geral sobre “O Trabalho Cientifico e a Condição do Investigador” foi muito interessante, tendo, de todas as apresentações e do debate que se lhes seguia, ressaltado a profunda insatisfação com o modelo neo-liberal de organização e financiamento da investigação cientifica que pontifica nas nossas instituições universitárias/Politécnicas, e a consequente necessidade de luta.

A reunião teve lugar num clima de forte contestação à orientação politica do Governo Sarkosy, que é de opinião que os trabalhadores científicos franceses não produzem o suficiente. Aliás o seu mote é que os investigadores gostam muito de procurar mas pouco de encontrar, o que para além de ser um insulto aos trabalhadores científico, manifesta a profunda ignorância de quem se pretende avaliar a qualidade dos investigadores, sobre a natureza, meios e fins desse mesmo trabalho. No simpósio estivemos a discutir aquilo porque lutavam os nossos colegas franceses em greve. Na verdade pretende-se subordinar tudo à rentabilidade financeira, ideia que acaba de ruir fragorosamente com a crise financeira em curso; pretende-se subordinar a programação total das actividades de investigação às agendas dos grandes conglomerados financeiros, desaparecendo a última réstia de autonomia que ainda resta às Universidades neste campo; procura-se limitar a a autonomia cientifica e pedagógica dos docentes-investigadores para que eles não tenham veleidades de através do seu munus porém em causa a ordem sócio-política vigente do Capitalismo imperialista que está a levar grandes safanões nesta crise e que se esperam uns quantos mais no futuro não muito distante. Os docentes-investigadores responderam com a greve, apoiados pelos estudantes. Quando saí de França a luta continuava ao rubro, como devia.

Perante esta situação no regresso a Glasgow tive de desenvolver trabalho em carteira e daí que este blog ficasse desguarnecido. Mas são muitos os problemas, e vamos continuar a tratá-los nos próximos tempos.