domingo, 24 de maio de 2009

O Adeus às Armas (VI)

O Senhor Cinema deixou-nos…

Estávamos no final da década de 60 do século passado e a Associação de Estudantes do Instituo Superior Técnico resolveu fazer um debate sobre as perspectivas que se abriam para a Universidade Portuguesa no contexto das ilusões da “abertura” marcelista. Foi constituído um painel, e nele se incluíam João Benard da Costa e Sofia de Melo Breyner, a grande poetisa portuguesa do Século XX, e outros anti-fascistas de que infelizmente já não me lembro o nome.

Recordei este facto quando soube da morte de João Benard da Costa. Tive sempre a sua imagem de um grande intelectual católico que ajudou a combater o fascismo, mantendo uma impoluta verticalidade democrática. Mais tarde em democracia soube da grande amizade que o unia a Manoel de Oliveira, e que o levou a entrar em vários dos filmes do nosso imortal realizador. E foi esse amor pelo cinema que o levou primeiro aos ciclos de cinema da Fundação Calouste Gulbenkian, e mais tarde a assumir a direcção da Cinemateca Nacional, e a projectá-la na Cultura Portuguesa com o lugar a que tinha direito.

Nascido em Lisboa a 7 de Fevereiro de 1975, João Benard da Costa viveu uma parte da sua infância dominada pelo espectro da II Guerra Mundial, no paraíso idílico da Arrábida. Formou-se em Histórico-Filosóficas, e em 1963 funda com António Alçada Baptista o Tempo e o Modo com Alçada como director, ele próprio como chefe de redacção e textos de Jorge Sampaio e Mário Soares, abrindo assim espaço aos que combateram na Crise Académica de 1962.

Em 1965 assina com mais 101 católicos portugueses um manifesto em que se contesta a guerra colonial. Em Maio de 1968 sai da Igreja Católica, e em 1969 integra as listas da CDE. Por essa altura encontra-se com o camarada Álvaro Cunhal na Borgonha, num encontro naturalmente clandestino. Foi a sua fase de activista político activo, em que uma das suas derrotas foi a perda do controle do Tempo e o Modo, que passou para as mãos do MRPP, no início da década de 70.

No 25 de Abril de 1974, integrou o Movimento da Esquerda Socialista (MÊS), mas depressa deixou actividade partidária. Perdeu-se o político, mas ficou o intelectual.

O cinema surge na sua vida quando em 1969 vai para a Fundação Gulbenkian organizar a Secção de Cinema no Serviço de Belas Artes, com ciclos que hão-de marcar milhares de telespectadores. O primeiro em 1973, começa com Roma, Cidade Aberta, o imortal filme de Rosselini, com a presença do próprio e de Henri Langlois da Cinemateca Francesa. Quando os espectadores começaram a gritar: Abaixo o fascismo! Liberdade! Liberdade! Langlois sentiu que o 25 de Abril estava próximo…

Nesse ano e até 1980 deu aulas de Cinema no Conservatório e em 1980 a convite de Vasco Pulido Valente entrou para a Cinemateca como sub-director de Luis de Pina, tendo-lhe sucedido como Director em 1991. Na Cinemateca desenvolveu um trabalho deslumbrante de estudo e preservação em do cinema, e tornando a Cinemateca Portuguesa parceira das suas mais importantes congéneres mundiais.

A morte de João Benard da Costa, um grande democrata, constitui uma assinalável perda, mas fica o seu trabalho de preservação da memória do cinema, tarefa a continuar sem desfalecimento. Assim sejamos dignos dele.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

O Adeus às Armas (V)

Vasco Granja: A Afirmação da Cultura Visual - as 8ª e 9ª Artes

Estamos em 1966, e eu já entrara no Instituto Superior Técnico. Para trás ficara uma vida não muito alegre, mas que tinha sido muito mais interessante porque eu lia muitas “Histórias aos Quadradinhos”. O meu pai não gostava e tinha-mas proibido. Mas no inicio eu tinha um vizinho que mas emprestava. Para que o meu pai não as visse, escondia-as nos fundos dum sofá-cama com a cumplicidade da minha mãe. E foi assim que conheci o Buck Jones, o Wyatt Earp, David Crockett, Kit Carson, Mandrake, Super-Homem, Batman, Fantasma, o Major Alvega, e tantos outros. Mais tarde já no Liceu de Gil Vicente em Lisboa passava pelo jardim da Graça aonde, na biblioteca municipal que lá havia, lia o “Cavaleiro Andante”, o Mundo de Aventuras e tudo o que aparecia.

E foi assim que um dia dou comigo a ler o jornal Republica, e encontro um artigo do Vasco Granja a falar-nos da Banda Desenhada com grande profundidade. Ele falava das Histórias aos Quadradinhos da minha adolescência. E estava certo naquilo que dizia: se o Desenho Animado já era então reconhecido como a 8ª Arte, a Banda desenhada era a 9ª Arte, e era necessário promovê-la. Ele afirmava que elas eram a expressão da nossa modernidade. A isto se opôs o suplemento Diário de Lisboa Juvenil, dirigido pelo nosso camarada Mário Castrim, aonde se defendia que texto e imagem juntas degradavam o texto e afastava os leitores das grandes obras da literatura.

Ora eu que já tinha lido uma séria de umas e outras, não estava de acordo. A discussão azedou. E algures no final de 1966, princípios de 1967, escrevi no Republica a carta aberta Ouça Senhor Mário Castrim, Companheiro-Mor do Juvenil aonde critiquei acidamente os colaboradores do Juvenil. A polémica não durou muito mais tempo.

Vasco Granja foi um dos homens que subrepticiamente fez uma Revolução Cultural, ao afirmar a importância da imagem na formação integral do indivíduo. A sua contribuição para a divulgação do Desenho Animado e da Banda desenhada, como 8ª e 9ª Artes, foi fundamental para que os portugueses tivessem conhecimento destas duas expressões artísticas, e fossem capazes de ajuizar da sua excelente qualidade. Ele é responsável pelo acesso de todos os portugueses através da Televisão à divulgação da pluralidade das suas escolas. Os mais importantes criadores foram divulgados e.g. Norman McLaren, canadiano.

Vasco Granja era um camarada. Deixou-nos com 83 anos. Já sentimos a sua falta. Mas a sua obra perdurará nos nossos corações, e é expressão da pluralidade que vale a pena construir, e que em sua homenagem e de outros como ele, que perduram e perdurarão na nossa memória, necessariamente construiremos.