segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Cartas Escocesas (I)

Quando é necessário emigrar de vez em quando

Desde o passado dia 31 de Agosto, pelas 19:00 horas que estou em Glasgow e isso significa que já há duas semanas me encontro a trabalhar no Astronomy & Astrophysics Group da Universidade de Glasgow, para gozo duma licença sabática que espero dure de 11 a 12 meses, financiada pela FCT. Fui recebido como um herói, e isto porque a minha contribuição para o desenvolvimento deste Grupo nos idos de 1999/2000 na minha anterior licença sabática, também financiada pela FCT, frutificaram muito bem. E eles estão à espera que desta vez seja da mesma maneira. Ideias não nos faltam. Esta recepção, e a consideração que manifesta, contrastam bastante com a estúpida falta de consideração que os meus colegas aí em Portugal têm por mim e pela minha actividade científica, e que configura um verdadeiro assassinato científico.

Muitos perguntam-me porquê esta vontade de vir para o Estrangeiro. A resposta é muito simples: ninguém emigra por gosto, mas de facto para ficar satisfeito com aquilo que faz e pelo reconhecimento desse mesmo trabalho. Ora uma parte substancial das alegrias que tive no campo científico resultam da minha actividade primeiro em Inglaterra, na Universidade de Manchester, e mais recentemente aqui na Universidade de Glasgow, na Escócia. As autoridades académicas em Portugal nunca se preocuparam em garantir-me condições de trabalho aceitáveis, acesso a estudantes que permitam potenciar o meu trabalho, nunca me permitiram no Instituto Superior Técnico que eu ensinasse no Departamento de Física, esqueceram-se que eu existia no início da década de 90 do século passado quando formaram o CENTRA no Instituto Superior Técnico, embora eu estivesse a orientar trabalhos de pós-graduação de estudantes que se graduarem em Mestres em Física, e finalmente, com a destruição do Centro de Electrodinâmica puseram-me na prateleira de forma definitiva, por mais protestos que faça.

Tudo começou em função das grandes esperanças que nesses tempos de Primavera Marcelista criámos em volta da Universidade e seu desenvolvimento. Respondi ao apelo do Professor Abreu Faro no sentido de criarmos um Centro de Investigação de Física de Plasmas plural, ou seja com vários domínios, e a mim coube-me a Astrofísica que nesses anos longínquos não existia em Portugal. Eu era o primeiro a ser enviado ao estrangeiro com uma bolsa do Instituto de Alta Cultura para atingir esse desiderato, permitindo que ao voltar fosse possível fazer crescer esta área.

Parti a 25 de Setembro de 1972, da Portela de Sacavém pelas 11 horas, um dia histórico na minha vida. Fui estudar sob a orientação científica do Professor Franz Daniel Kahn, no Departamento de Astronomia da Universidade de Manchester, Inglaterra, que ao começar esta orientação não esperava que ela fosse o início duma colaboração que durou 25 anos. Mas o que se passou foi bem diferente.

Regressei em Julho de 1976 com o grau de Doutor (PhD) concluído, e era de facto o primeiro Astrofísico do país. Mas ao contrário do que esperava nada se passou que me permitisse crescer para além do meu Doutoramento. O silêncio era insuportável, apesar de todas as minhas diligências. Em Setembro de 1978 fui a York, em Inglaterra, à Assembleia-Geral da Sociedade Europeia de Física, e fui visitar o meu professor a Manchester. Saí da visita com um contracto de pós-doutoramento de Research Associate, equiparado a Lecturer (Professor Auxiliar) por dois anos. Regressei a Manchester em Agosto de 1979, e como o contracto se estendeu por mais um ano, regressei a Portugal em finais de Julho de 1982, para garantir o meu lugar de Professor Associado.

Durante este tempo todo em termos de ensino estive ligado ao Departamento de Engenharia Electrotécnica do Instituto Superior Técnico. Tentei com grande empenhamento entrar no Departamento de Física, mas nunca houve interesse em prover a transferência. Na verdade não se compreende como uma Escola Superior promove um Doutoramento em Astronomia, e depois o mantém o Doutor após regresso, ligado a um Departamento de Engenharia Electrotécnica em vez de o mandar em alta velocidade para o Departamento de Física. Em termos de Investigação estava ligado ao Centro de Electrodinâmica, criado em 1973, quando ainda me estava a graduar em Manchester. Mas a actividade de formação pós-graduada ligado à investigação só se começou a desenvolver em 1985, quando a hoje Doutora Maria João Marchã, veio fazer comigo um trabalho de fim de curso para a sua Licenciatura no Departamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa sobre Núcleos Galácticos Activos e Fontes Extragalácticas de Rádio Frequência, sendo a primeira vez que tais trabalhos eram feitos em Portugal, e foi aumentado em 1978 quando o hoje Professor Paulo Gil veio fazer sob a minha orientação uma Tese de Mestrado sobre Pulsares.

No ano de 1987 e na sequência do meu pedido de provas de Agregação na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, fui chumbado de forma humilhante nas referidas provas. Recebi nessa altura varias manifestações de solidariedade, mas que não produziam qualquer efeito: o insulto estava consumado. E quando questionado sobre as razões deste facto, um membro do júri afirmou: — Porque ele veio confrontar-se com a Faculdade de Ciências!!! Sem comentários.

A ligação a Manchester continuava, e em 1984, de Julho a Dezembro, tive uma licença sabática de seis meses, e mais tarde uma outra de um ano, de Agosto de 1991 a Agosto de 1992, ambas no Departamento de Astronomia da Universidade de Manchester. No intervalo ia lá passar semanas para trabalhar com FD Kahn.

E foi na década de 90 que a actividade foi mais profícua. O estudo dos pulsares conheceu um esforço suplementar, e além da Tese de Mestrado de Paulo Gil tive outras três sobre pulsares, uma de Zeferino Andrade, outra de Paulo Freire, e outra de Fernando Simões. Este esforço só foi possível por haver projectos financiados pela JNICT (Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica), predecessora da FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia). Nesta década fui o coordenador do nó de Lisboa do Projecto EuroToP (European Timing of Pulsars), projecto que embora tivesse ficado em 6º lugar, não foi financiado, por terem-no sido só os cinco primeiros.

A morte do Professor Franz Daniel Kahn em Fevereiro de 1998 obrigou a repensar a actividade de investigação em pulsares. Era urgente arranjar uma parceria com um grupo de Física de Plasmas interessado em trabalhar na área dos Pulsares. Consegui que o Grupo de Astronomia e Astrofísica da Universidade de Glasgow, na Escócia, estivesse interessado nesta matéria, pois tinha um grupo de Física de Plasmas de apoio à Astrofísica, e o tema mecanismos de radiação de pulsares, pareceu-lhe importante. E para consolidar esta ligação parti para Glasgow em Outubro de 1999, onde permaneci até Agosto de 2000.

A colaboração lançou uma linha de investigação em pulsares. Desde 2000 conseguiu-se que Mestre Craig Stark se doutorasse. A minha contribuição para este desenvolvimento está expressa na Tese de Doutoramento de Craig Stark, escrita pelo próprio: “Também quero agradecer a António, o meu supervisor não-oficial, o seu entusiasmo por pulsares é contagiante. A sua ajuda foi inestimável e é muito apreciada **”. É esta linha que ajudei a crier que venho agora ajudar a desenvolver.

Esta situação contratou bastante com a postura dos órgãos científicos do Instituto Superior Técnico. Com o encerramento do Centro de Electrodinâmica em 2002, num acto da mais pura vingança política contra Manuel José de Abreu Faro, entretanto já falecido em 1999, por ele se opor à forma como se pretendia proceder à organização da Investigação, esqueceram-se de cuidar do meu enquadramento científico. Tentei entrar no CENTRA, mas nem resposta obtive, numa clara violação dos seus próprios regulamentos. E ao mesmo tempo que era posto na prateleira no IST, ajudava os escoceses a crescerem.

Perguntar-se-á como é possível que histórias de terror deste tipo aconteçam. Como é possível afirmar que se pretende a internacionalização da Ciência, e se põe na prateleira um cientista internacional e que trabalha para os outros à custa do erário público português; como se defende a Astrofísica se o primeiro astrofísico do país é esquecido e humilhado.

Quando estou no meio dos meus colegas britânicos sinto-me muito bem e feliz a discutir pulsares: sinto-me de facto cientista. É muito reconfortante poder conversar com ambos os Astrónomos Reais. Para todos eles voltei para um convívio que vai durar desde 10 meses até um ano. Espero continuar a ajudá-los, para que sobrevivam. Vamos ver se o consigo.

**Em inglês: I would also like to thank António, my unofficial supervisor. His enthusiasm for pulsars is contagious. His help has been invaluable and is much appreciated.

                                                

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