segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Reflexões Estratégicas Globais (I)

Crónica de um desastre anunciado

A decisão da administração norte-americana de salvar da falência os dois grandes potentados da alta finança, Fannie Mae e Fannie Mac, constitui um momento histórico da maior importância. Ela consagra a total falência do projecto neo-liberal para a condução do capitalismo, o fim duma época iniciada em 1979, com a entronização de Margaret Thatcher como Primeira-Ministra do Reino Unido. Trata-se do fim dum fundamentalismo económico, o domínio absoluto da economia de casino, e do capital financeiro sobre todas as formas de Capital. Com Thatcher e mais tarde Ronald Reagan, o que permitisse aumentar a taxa de lucro, e a supremacia do primado da alta finança, era benéfico para todos. O Sistema teve a suprema arrogância de ignorar a instabilidade inerente à cada vez maior rotatividade do capital financeiro, mas o estoiro das várias bolhas em que se tornou a economia capitalista no plano global deu cabo da estabilidade do sistema capitalista, e lançaram-no numa crise profunda.

Há muito que Fidel Castro assinalara que não era possível manter vivo e de boa saúde um sistema que transacciona diariamente em bolsa 1 bilião de dólares de acções valor superior a tudo o que se produzia. Tal só era possível porque os pagamentos dessas transacções eram diferidos no tempo, sendo possível transaccionar o mesmo título várias vezes em sucessão sem ele ter ainda saído dos cofres do primeiro dono. Esta característica da operacionalidade bolsista era altamente instável pois bastava que um dos elos da cadeia não pagasse para que o processo estourasse.

Não foi no entanto por aqui que o sistema foi ao tapete, fazendo lembrar aquele doente que passou toda a vida a tratar o seu coração doente… e vem a morrer de pancreatite aguda!!! O sistema estoirou por um conjunto de burrices inacreditáveis impróprias de dirigentes financeiros tão qualificados, profundamente arrogantes, e acreditando que a sua ganância produziria milagres económico-financeiros. Os bancos e mais sociedades financeiras entregaram verbas fabulosas a quem queria comprar casa para poder viver, e que não tinham condições para as pagar a curto, médio e longo prazo. O mercado imobiliário tornou-se um el-dorado que parecia não ter fundo. Foi uma das áreas de grande concentração de investimento. Para aumentarem os lucros sobrevalorizaram as casas. Evidentemente que as casas eram a garantia, na esperança de que se os empréstimos não fossem pagos, as casas passariam para as mãos dos credores que as venderiam em hasta pública, e o dinheiro estava salvo.

O erro foi não terem em conta a lei dos grandes números, o que sucederia se um número excessivo de devedores não pagassem as casas. Claro que as casas iam a leilão, mas porque eram demasiadas o preço caía em flecha, não cobrindo os empréstimos atribuídos. Daqui para a crise imobiliária foi um passo de formiga.

As empresas financeiras do imobiliário Fannie Mae e Fannie Mac ficaram impossibilitadas de ter lucros, e os seus prejuízos punham em causa a sua existência. O Sistema viu-se confrontado com a sua perda: deixar afundá-las era afundar largos sectores da economia que transcendia as operações estritamente fundiárias. E o Estado, representante do grande capital, lançou mão dos impostos, para salvar o pescoço duns quantos, que seriam muitos mais se tal operação não fosse feita: Fannie Mae e Fannie Mac foram salvas, mas com isso morreu a ilusão de que na economia de mercado todos os perdedores são equivalentes, e que todos têm de arrostar com as consequências dos seus actos. Na verdade uns são mais do que outros.

Estas duas companhias americanas são só a ponta do iceberg da crise. Muitas outras companhias um pouco por toda a parte estão a tremer de medo porque o número de maus pagadores aumenta, e elas não sabem o que fazer à vida. A situação é tão grave que por causa disto se instalou uma crise política no Reino Unido.

Tudo isto poderia ser ultrapassado, não fora a existência de outros problemas. A segunda peça da crise foi o aumento vertiginoso do preço do preço do petróleo. A procura era seguramente muito maior que a oferta, devido ao aparecimento das economias emergentes, e as reservas de crude começaram a desaparecer lentamente. O preço disparou especulativamente.

Com a crise do imobiliário e a subida dos preços da energia, o Sistema virou-se para os bens alimentares, como fonte de estabilidade dos preços, Mas alguns deles eram fonte de pressão especulativa devido à capacidade de ser fruto de combustíveis, e a sua procura como reserva monetária levou à espiral inflacionista. E aqui atingiu-se a obscenidade económica, ao fazer subir os preços de primeira necessidade para satisfazer a gula do capital financeiro, lançando na miséria largos sectores das populações normalmente as mais desfavorecidas, incapazes de poder comprar os bens de primeira necessidade.

Mas os centros de programação estratégica do capitalismo não dormem. Como este quadro de crise global é susceptível de provocar uma onda de instabilidade social, pois a eles juntavam-se as péssimas consequências sociais dos “ajustes” que vinham a ser feitos para que os valores do mercado dominassem todos os cantos mais recônditos da nossas vidas, os referidos centros já concluíram que o grande problema é o fundamentalismo do mercado e sem descanso procuram meios de o conjurar.

O domínio do capital financeiro estabelecido em 1979 por Margaret Thatcher e mais tarde reforçada pela subida ao poder de Ronald Reagan como Presidente dos USA, teve três fases. A primeira de 1979 a 1989 completou o referido domínio e destruiu a União Soviética com fortes cumplicidades internas. O segundo período vai de 1989 até 1999 e traduz a adaptação que o sistema teve de efectuar para reconverter todos os braços da economia capitalista que resultavam da existência dos dois sistemas. O terceiro período, desde 1999, é consequência dum Sistema em velocidade galopante e a praticar todos os desmandos, julgando que pode fazer tudo o que lhe apetece, à custa do sofrimento das massas trabalhadoras. Ora o fim do consulado Bush é o crepúsculo dos deuses e a decisão de salvar Fannie Mae e Fannie Mac um espantoso canto de cisne.

Os centros de programação estratégica preparam-se para reformular todo o sistema suportando-se no que pensam ser a passividade global dos trabalhadores, sem uma perspectiva global clara de luta. É este o fim da administração Barak Obama a eleger no próximo Outono, lá para Novembro. O sucesso que tiverem vai ser consequência da capacidade de mobilizar todos aqueles, que sempre viveram na dependência do Sistema, e que em vez de darem cobertura à sua pretensa racionalização, potenciem a acção de massas em todos os teatros aonde tal seja objectivamente possível, como é o caso português na luta que vimos travando contra a politica de direita e de espoliação dos mais elementares direitos dos trabalhadores pelo governo de Sócrates.

É necessário e urgente que todos pensem que o Sistema capitalista não tem qualquer capacidade de ser racionalizado e que ele pode e deve ser substituído. Ele não tem por fim a felicidade de toda a Humanidade, mas a concentração da capacidade económica nas mãos de uns quantos. E por isso é preciso que assumamos que as mudanças são antropológicas, pois a sociedade de classes nas suas variadas formas dominou a História da Humanidade. É preciso começar a dar os passos para uma nova antropologia, a sociedade da sabedoria, o socialismo, assumindo o carácter colectivo do saber acumulado ao longo da História. Afinal essa nova sociedade é a que nos põe a coberto de indivíduos desprezíveis que vivem à nossa custa, e às nossas costas, e que nos põe a salvo de estarmos sempre sem sossego, na dúvida se amanhã ainda temos trabalho que suporte o nosso sustento. 

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