sábado, 25 de outubro de 2008

Cartas Escocesas(III)

O Grão de Areia que Encravou a Máquina

A cena é extraordinariamente gótica. Alain Greenspan ao prestar declarações na Câmara dos Representantes do Congresso dos USA não podia ter sido mais claro: o neo-liberalismo continha um erro. Perante tão desconcertante declaração todos ficaram à espera que o Papa da alta finança nos esclarecesse do erro.

E qual seria ele, talvez ter ousado equacionar níveis de exploração nunca vistos, criar expectativas impossíveis? Ter estabelecido regras de convivência social que cada vez mais se afirmam como anti-sociais? Não caros leitores, a falha do sistema foi não ter havido supervisão. E porquê, seria que Alain Greenspan, o homem que dominara a reserva federal teria tido um rebate de consciência e passara-se para o lado dos trabalhadores? Ele que aceitara que os donos do dinheiro fizessem toda a casta de tropelias, teria agora uma nova postura?

Também não caros leitores. O erro, o grão de areia no relógio, foi não se ter protegido eficazmente os interesses dos accionistas, que viram assim o seu dinheiro esfumar-se. Tudo tinha funcionado bem até então, porque diabo logo agora haveria de correr mal? Pois é, mas Alain Greenspan não quis assumir entre outras coisas que tudo se passou porque o Sistema neo-liberal precisava de aumentar as velocidades de rotação do dinheiro e eram precisos relaxar os cuidados mais elementares. E foi o que se viu.

Repare-se que o mea culpa de Alain Greenspan não foi dirigido ao mal-estar provocado em milhões de seres humanos pelo colapso da economia de casino, e dos transtornos pessoais que criou. O que preocupou Greenspan foi os ricos não poder ser mais ricos. O próprio conceito de supervisão era um conceito reservado aos poderosos e não uma decorrência da democracia, e exercida também pelos representantes dos trabalhadores. E é esta a postura de classe que é preciso combater.

Entretanto os políticos que até agora simbolizavam o sistema explorador lá continuam na sua vidinha, alguns como o Primeiro Ministro Britânico Gordon Brown esperando que as propostas que fez para restabelecer o stato quo façam esquecer o longo período de inoperância e conivência que permitiu este estado de coisas. A verdadeira natureza da social-democracia surge em todo o seu esplendor, quando o sistema capitalista é salvo… por um social-democrata. O Sarkosy está contentíssimo com a prestação de Gordon Brown e isso reforçou a ligação Paris-Londres. Mas a injecção de dinheiro no sistema persiste em esquecer os infelizes que são as principais vítimas da crise. Para salvar os bancos, globalmente vão ser precisos aí um 3 biliões de USDólares. Mas isto só repõe o stato quo, porque seria preciso tornar solventes os que continuam sem poder pagar as suas casas, com a agravante de que muitos desses infelizes não só tinham baixos rendimentos, mas também agora vão perdê-los fruto do desemprego. E isso são mais 4 biliões de USdólares. No conjunto aí metade do Produto Nacional Bruto dos USA.

Mas nem tudo é mau nesta vida. Recordando Almeida Garrett (e a sua piada: Foge cão que te fazem barão; para onde se me fazem visconde?), a grande estrela do New Labour, o tal partido de esquerda que se propôs defender simultaneamente os interesses dos trabalhadores e dos patrões, Peter Mandelson, recentemente feito barão para poder entrar no Governo Britânico, pois se assim não fosse não podia ser ministro por não ser deputado, mantém ligações complexas com banqueiros e novos milionários do Leste, com quem discute despudoradamente os negócios da governação pública, sem que ninguém queira saber o que se passa. Para este pessoal não há crise.

E enquanto isto for assim não há sonho de reconstrução do Sistema que resista…

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