sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Cartas Escocesas (II)

Depois da casa arrombada, trancas à porta!!!

Desde a minha chegada às Britânicas Ilhas, que a ideia de crise não deixou de estar no ar. Na verdade já há uns meses, e muito antes dela, que estava anunciado que a Grã-Bretanha ia entrar em recessão no fim do ano, porque havia um buraco orçamental de £7.5 milhões em 2009, um verdadeiro buraco negro, porque não se via qualquer luz ao fundo do túnel.

Claro que quem sofre é quem está ao leme. E assim Gordon Brown foi a vítima por ser o primeiro-ministro ao declarar-se este desastre. Graves problemas se vislumbrava no futuro, e.g. o aumento do desemprego em flecha. Ora Gordon Brown é o “leader” do Partido Trabalhista, e os seus camaradas exigiram-lhe que desse indicações claras para resolver o problema. Claro que o pobre não tinha maneiras de os resolver, por via de uma razão muito simples: o descalabro capitalista não tem soluções à vista.

Assistiu-se então ao que não se esperava de um partido que se reclama da classe operaria, o espectáculo inaudito de tentar à pressa arranjar outro “leader”, indo até procurá-lo ao interior do próprio Governo, … presidido pelo substituindo!!! Esta atitude só veio mostrar na prática que o Partido Trabalhista, que se reclama da social-democracia, por vias pré-marxistas, afinal não passa dum reles partido burguês, sem quaisquer valores que o identifiquem com as massas trabalhadoras.

Claro que Gordon Brown salvou-se, pelo menos até ver, porque ninguém surgiu com uma gloriosa solução debaixo do braço, que como já se viu não existe, e a situação está tão má, que ninguém se quer arriscar a assumir as rédeas do poder. A questão ficou ainda mais negra quando as grandes instituições financeiras da América começaram a cair uma após outra, e não havia maneira de parar com o agravar da desgraça. Se já não havia soluções, então verificou-se que o nada gerava o caos. Isso permitiu a Gordon Brown ir à Conferência anual do Partido Trabalhista falar aos delegados, e com a ajuda da sua própria mulher que o apresentou e enalteceu as suas virtudes esmoleres, dizer-lhes que tinha ficado muito chocado por eles pensarem que ele não era um homem assaz caridoso, sensível ao problemas dos que sofrem. Mas se eles pensavam isso podiam ter a certeza que ele ia levantar as dúvidas e a partir daquele momento iria cuidar da vida deles como se a dele próprio.

Perante um discurso inspirador deste jaez, em que o homem falou durante mais de uma hora mas não disse rigorosamente nada, foi algo espantoso o que se leu na imprensa: os grandes analistas quase choravam com a notável capacidade inspiradora e de direcção do grande “leader” de não dizer nada, e perfeitamente aceitavam que o futuro, qualquer que ele fosse ia naturalmente ser brilham e de Esquerda. Aonde é que estavam as soluções para a crise, ninguém sabia mas isso era o menos. Ele era um homem de palavra, e iria cumprir, embora não se soubesse como ou o quê.

Entretanto a crise agudizava-se. O grande capital iniciava as suas movimentações nos USA para salvar os grandes tubarões da alta finança com um pacote de 700 mil milhões de US$dólares, negando-se simultaneamente a apoiar os desempregados em consequência do colapso, e para isso convocou todas as figuras da Administração, e representes dos Partidos Democrático e Republicano da Câmara dos Representantes e do Senado. Num quadro em que as massas trabalhadoras, que dum dia para o outro ficaram sem emprego, exigiam que o US Estado os ajudasse a ultrapassar a crise e se manifestavam nas ruas aos milhares (ver imagem junta), os Republicanos não aceitaram os generosos meios postos à disposição dos capitalistas para se salvarem, e porque queriam ainda mais, fizeram propostas inaceitáveis para os Democratas.

Quando os Democratas não aceitaram as referidas propostas, o Secretário de Estado do Tesouro, caiu de joelhos perante Nancy Pelosi, “Speaker” (Presidente) da Câmara dos Representantes, e 3ª figura do Estado (na foto), pedindo-lhe piedade, e que pelo amor de Deus, e por tudo o que lhe fosse mais sagrado convencesse os Democratas a aceitar a solução. — Não sabia que você era católico! — retorquiu Nancy Pelosi perante o caricato da situação. Mas de facto os Democratas não quebraram, e seguiu-se um fim-de-semana de grande discussão política, mas que não teve consequências, porque embora os dois partidos tivessem concordado, os representantes acabaram por chumbar o acordo de salvação do grande capital, tal como o exigiam os milhares de manifestantes que em Wall Street exigiam medidas para minorar a sua situação de desempregados à força.

Entretanto por aqui Gordon Brown acaba de remodelar o Governo, quando se sucedem os pedidos de ajuda da City, para salver instituiçoes financeiras. Embora as moscas mudem, o substrato é o mesmo, e não consta que nenhuns dos chegados, e.g. Peter Mandelson, tenham quaisquer soluções. Mas o desenvolvimento destas questões continuá-la-emos a fazer em próximas entradas. 

Ultima hora: A Câmara dos Representantes acaba de aprovar a proposta de salvação do Grande Capital. É um gravíssimo balde de água fria para os que afirmavam que a anterior decisão era uma grande vitória da Democracia. Afinal foi mais um tempo de reflexão...

Sem comentários: